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Desabafos da Mula

Desabafos do quotidiano, por vezes irritados, por vezes enfadonhos, mas sempre desabafos.

Desabafos da Mula

Carta aberta aos pais dos tempos modernos

Queridos pais dos tempos modernos:

 

Bem sei que no vosso tempo também ouviram que pertenciam à geração rasca. Os mais novos são sempre a geração rasca. Mas nem a consciência que sempre assim será, vos deve impedir de fazerem o melhor pela educação dos vossos filhos. Bem sei que o tempo é curto, que se passarem o pouco tempo que vos resta a discutirem com os vossos filhos, que não conseguirão estreitar os laços, que já são tão curtos, mas permitir-lhes fazer tudo o que lhes apetecer, só porque educar dá trabalho e é preciso tempo, não os vai ajudar na travessia até à vida adulta.

 

Não, não é preciso bater. Não, não é preciso berrar. Mas sim é preciso dizer não de quando em vez. É preciso dizer não muitas vezes, na realidade. E se vos disserem que não estão a ser justos, o velho cliché que a vida por si só é injusta, é sempre uma boa resposta.

 

Bem sei que não sou mãe, que na realidade não percebo nada disto. Mas ainda sei ver, enquanto educadora, enquanto profissional, que alguma coisa está a correr mal na forma como os jovens de hoje agem nos dias que correm, seja na ausência ou na presença de adultos.

 

Bem sei que ser rebelde faz parte da travessia. Eu também o fui. Também fiz as minhas asneiras. Também fumei o que tinha a fumar. Também bebi o que tinha de beber. Também gozei o que tinha de gozar. Mas sabem o que nunca fiz? Nunca faltei ao respeito de nenhum adulto, nunca estraguei propositadamente o que não é meu, nunca estraguei as férias de ninguém. Sabem o que os meus pais nunca fizeram? Nunca me deram palmadinhas nas costas quando errava, sempre me obrigaram a assumir as consequências. Obrigaram-me a pedir desculpa quando ofendia alguém, ou quando era simplesmente mais refilona. Obrigaram-me a arrumar, quando desarrumava o que não era para desarrumar. Obrigaram-me a limpar, quando sujava o que não era para sujar. Obrigaram-me a crescer, mostrando-me que a vida adulta não era tudo perfeito e tudo de minha feição.

 

Não tive pais perfeitos. Não há pais perfeitos. Mas tive pais que me souberem dizer não as vezes que foram precisas, que me fizeram espernear as vezes que foram precisas, e sim, que me bateram as vezes que foram precisas para eu aprender que há coisas que não se dizem, que há coisas que não se fazem. E choquem-se: não me traumatizo por isso. Mas concordo que não é preciso bater para educar e que há múltiplas escolhas e formas de ser e estar com os vossos filhos que vocês podem optar neste mundo louco que é a educação dos jovens. Mas uma coisa é certa. Façam como quiserem, mas eduquem-os de uma forma diferente, que como está, não está a correr bem.

 

Queridos pais dos tempos modernos, lamento desiludir-vos, mas os vossos filhos não precisam apenas de um teto, comida, roupa lavada e gadgets. Não precisam apenas de sapatilhas de marca e telemóveis topos de gama. Não precisam que os compreendam apenas. Lamento desiludir-vos mas contrariar os filhos faz parte, ouvir dos filhos o quanto são odiados por os contrariarem, faz parte. Que ouvir as portas dos quartos deles bater com força, faz parte. Porque perceber que as coisas não são sempre como nós queremos e gostamos, também faz parte.

 

Porque, queridos pais dos tempos modernos, os filhos de hoje são os pais de amanhã, e se isto assim continuar eu não sei como será o mundo de amanhã mas fico com medo de viver nele.

 

Grata pela atenção,

Mula

2 comentários

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    Mula 11.04.2017

    Enquanto ela tiver essa percepção, é muito bom! Esse espírito crítico é essencial para que seja uma adulta consciente! É o que falta muito nesses jovens, faz se tudo porque sim, sem consciência ou propósito... E depois pessoas como a tua menina acabam por se sentirem deslocados...
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    Desabafos do quotidiano, por vezes irritados, por vezes enfadonhos, mas sempre desabafos. Mais do que um blog, são pedaços de uma vida.